A maior parte dos imóveis no Brasil estão em situação irregular — e isso pode acontecer por vários motivos.
E quando um herdeiro recebe um imóvel irregular como herança, é normal que venha a seguinte dúvida: como colocar o imóvel irregular no inventário? É possível fazer o inventário de imóvel irregular?
O que é um imóvel irregular?
A lei não define o que é um imóvel irregular, mas o entendimento majoritário é que o imóvel irregular é aquele cuja matrícula não espelha exatamente a realidade.
Diversas situações podem deixar um imóvel irregular, desde as mais simples até as mais complexas.
Entre as causas mais simples, podemos pensar em imóveis cujas matrículas estão com o endereço desatualizado (em virtude de alteração de nome de rua), ou que nela não consta o casamento ou o divórcio do proprietário, ou até quando não foi cancelada a hipoteca de uma unidade adquirida em incorporação imobiliária.
Já entre as causas mais complexas, o maior destaque vai para a falta de averbação de construção (ou edificação, como chama a Lei de Registros Públicos) na matrícula do imóvel.
Para que você possa entender a importância desta averbação, vou lhe contar a sequência dos atos burocráticos que uma pessoa deve seguir quando pretende fazer uma construção em seu lote. Em primeiro lugar, ela deve aprovar um projeto de arquitetura na Prefeitura. Após, ela deverá requerer uma licença de construção. Concluída a obra, ela deverá requerer a expedição do famoso “Habite-se”, que somente será emitido se a construção tiver seguido as normas do projeto previamente aprovado. Um engenheiro ou arquiteto deve participar de todo este processo.
Finalizado o procedimento na Prefeitura, o dono da obra deverá apresentar o “Habite-se” ao Cartório de Registro de Imóveis. Assim, a matrícula, que antes demonstrava que o imóvel consistia apenas em um lote, informará a existência de uma construção.
Consigo fazer o inventário do imóvel irregular ou preciso regularizá-lo antes?
Os Tribunais já concederam muitas decisões no sentido de que seria necessário primeiro regularizar o imóvel no Cartório de Registro de Imóveis para somente depois incluí-lo no inventário.
Neste sentido, transcrevo uma decisão do STJ de 2018:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA SOBRE A QUESTÃO SUSCITADA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SUSPENSÃO DA AÇÃO DE INVENTÁRIO ATÉ QUE SEJAM REGULARIZADOS OS BENS IMÓVEIS DO DE CUJUS. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO ADMISSÍVEL DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA. NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO EXATO CONTEÚDO DO MONTE PARTÍVEL COMO CONDIÇÃO DA PARTILHA E DA ATRIBUIÇÃO DO QUINHÃO DE CADA HERDEIRO.
1- Ação distribuída em 29/08/2013. Recurso especial interposto em 31/01/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.
2- Os propósitos recursais consistem em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e, ainda, se a ausência de averbação, no respectivo registro, das modificações realizadas nos bens imóveis que formam o acervo partível, configura uma condição essencial para a tramitação da ação de inventário.
3- Ausente o vício de omissão elencado no art. 535, II, do CPC/73, e tendo o acórdão recorrido enfrentado a questão suscitada para o deslinde da controvérsia, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional.
4- A imposição de determinadas restrições ao exercício do direito fundamental de acesso à justiça pelo jurisdicionado é admissível desde que o elemento condicionante seja razoável.
5- A regra contida na Lei de Registros Públicos que determina a obrigatoriedade de averbar as edificações efetivadas em bens imóveis autoriza a suspensão da ação de inventário até que haja a regularização dos referidos bens no respectivo registro, inclusive porque se trata de medida indispensável a adequada formação do conteúdo do monte partível e posterior destinação do quinhão hereditário.
6- Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp n. 1.637.359/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/5/2018, DJe de 11/5/2018.)
Contudo, alguns Tribunais tem relativizado este entendimento. No Rio de Janeiro, o TJRJ, em seu Código de Normas Extrajudicial, permitiu de maneira expressa o inventário extrajudicial de imóveis irregulares — e lembro que o Código de Normas Extrajudicial obriga os tabeliães, responsáveis pela Escritura Pública de Inventário.
Art. 445. Podem ser objeto de inventário bens e direitos, incluindo imóveis pendentes de regularização junto ao Poder Público, assim como direitos possessórios sobre imóveis, devendo constar do ato a ciência dos interessados de que o registro de propriedade ficará condicionado à sua efetiva regularização. Parágrafo único. O inventário do direito possessório, por si só, não confere direito subjetivo aos herdeiros quanto à futura usucapião, cabendo ao tabelião aferir os elementos para lavratura da ata notarial e ao oficial registrador a viabilidade do seu registro.
Assim, ao menos no inventário extrajudicial realizado no Estado do Rio de Janeiro, não há qualquer dúvida quanto à possibilidade de se fazer inventário de imóvel irregular. Por outro lado, em outros estados e no procedimento judicial, existe a possibilidade do juiz exigir a regularização do imóvel como condição para continuar com o inventário.
Consigo registrar o inventário de imóvel regular no Cartório de Registro de Imóveis?
Voltando ao Estado do Rio de Janeiro, considerando que existe a norma expressa que permite o inventário extrajudicial de imóvel irregular, nada mais lógico do que permitir que a escritura pública de inventário ou mesmo um formal de partilha seja registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
Contudo, para além dessa lógica, o Código de Normas Extrajudicial fluminense previu expressamente a possibilidade de se registrar o inventário extrajudicial de imóvel irregular em uma situação específica — uma que já falamos acima! —: quando foi edificada uma construção no terreno e ela não foi averbada na matrícula.
Código de Normas Extrajudicial da CGJRJ
Art. 1.047
(…)
§ 1º. Poderão ser cindidos, na forma do inciso XV, entre outros:
(…)
II– a compra e venda ou formal de partilha em que haja notícia de uma construção, para registro da transferência do lote, deixando a averbação da acessão para o futuro;Era comum que o oficial registrador exigisse, quando se deparava com um inventário que trazia a notícia de que havia uma construção no terreno, a averbação da construção como condição para registrar o inventário. Contudo, hoje não resta mais dúvidas no Estado do Rio de Janeiro: o registro do inventário pode ser realizado independentemente da averbação da edificação. Quem decide se averba a construção junto com o inventário ou não é o herdeiro!
Conclusão
Ainda paira uma certa insegurança sobre a possibilidade de se fazer um inventário de imóvel irregular em diversos estados do nosso país. Mas no Estado do Rio de Janeiro, já está expressa em norma a possibilidade tanto de se fazer o inventário de imóvel irregular quanto de registrá-lo no Cartório de Registro de Imóveis.
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