O processo de inventário ficou restrito ao Poder Judiciário até o ano de 2007, quando foi criado o procedimento de inventário extrajudicial. O procedimento extrajudicial foi ganhando popularidade e hoje é o preferido da maior parte dos advogados. Contudo, cada um dos procedimentos possui vantagens e desvantagens. Assim, é necessário saber qual é a diferença entre o inventário judicial e o extrajudicial na hora de escolher o procedimento mais adequado para cada cliente.
Inventário judicial
Falemos primeiro do procedimento mais antigo. Pela lei, o inventário judicial é obrigatório nas seguintes hipóteses:
- divergência entre os herdeiros;
- algum dos herdeiros é incapaz (menor de idade ou interditado, por exemplo);
- foi deixado um testamento.
Contudo, a exigência do inventário judicial para o testamento foi flexibilizada pelos tribunais, que permite o inventário extrajudicial, mas com a condição de que o testamento seja registrado previamente em processo judicial, conforme decisão abaixo do STJ:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. NULIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. HERDEIROS CAPAZES E CONCORDES. OBSERVÂNCIA DA DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE EXPOSTA NO TESTAMENTO. DECADÊNCIA CONFIGURADA. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente (REsp n. 1.808.767/RJ, relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 3/12/2019).
Tendo o Tribunal de origem concluído pela maioridade e capacidade dos herdeiros, pela assistência por advogado e pela inexistência de divergência entre eles, além da observância do inteiro teor do testamento pelo tabelião do cartório de notas, a revisão de tal entendimento não está ao alcance desta Corte, por demandar o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta instância especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
Agravo interno desprovido.
(AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.460.192/RN, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 23/5/2024.)
Impostos no inventário judicial
A escolha do procedimento de inventário não modifica o valor dos impostos, mas pode alterar o momento do pagamento e pode permitir a discussão sobre o tributo diretamente com o juiz do processo.
O inventário judicial pode ser processado por três ritos diferentes: o inventário, o arrolamento comum e o arrolamento sumário. A diferença entre eles deverá ser objeto de um novo artigo. Neste post o foco será as vantagens tributárias que existem em cada um deles quando comparados com o inventário extrajudicial.
No rito do inventário, os herdeiros podem discutir questões tributárias. Por exemplo, se logo após o falecimento de uma pessoa é realizada a declaração do ITCMD (ou ITD) mas o processo de inventário somente é aberto mais de 05 anos depois, esse crédito tributário pode estar prescrito, e o juiz do inventário poderá reconhecer a prescrição no mesmo processo.
Por outro lado, no rito de inventário é necessário o pagamento dos tributos para que o juiz julgue a sentença e expeça o formal de partilha.
Já nos ritos do arrolamento sumário e do arrolamento comum, o juiz não tem competência para julgar questões tributárias, mas os herdeiros não são obrigados a pagar o imposto de transmissão antes da sentença e da expedição do formal de partilha. A depender do caso concreto, essa condição pode ser uma grande vantagem. Observe o que diz o Código de Processo Civil:
Art. 662. No arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.
§ 1º A taxa judiciária, se devida, será calculada com base no valor atribuído pelos herdeiros, cabendo ao fisco, se apurar em processo administrativo valor diverso do estimado, exigir a eventual diferença pelos meios adequados ao lançamento de créditos tributários em geral.
§ 2º O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros.
Impostos patrimoniais (IPTU, ITR e IPVA) e de renda no inventário judicial
No inventário judicial, a sentença somente poderá ser proferida após o pagamento de todos os impostos patrimoniais. Assim, toda dívida de IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais) e IPVA (veículos automotores) — relacionada aos bens da herança — ou de imposto de renda — do falecido — deverão ser quitadas e os comprovantes deverão ser apresentados ao juiz, conforme o art. 192 do Código Tributário Nacional:
Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas.
Custas do inventário judicial no Estado do Rio de Janeiro
A Lei Estadual 3.350/99 prevê que as custas judiciais nos processos de inventário obedeçam o seguinte critério:
Bens de herança | Valor do bem (R$) | Custas judiciais (R$) |
Móveis | Até 500.000,00 | 986,97 |
“ | 500.001,00 a 1.000.000,00 | 1.973,74 |
“ | 1.000.001,00 a 2.000.000,00 | 2.960,91 |
“ | 2.000.001,00 a 3.000.000,00 | 4.441,36 |
“ | 3.000.001,00 a 4.000.000,00 | 6.662,05 |
“ | 4.000.001,00 a 5.000.000,00 | 9.993,08 |
“ | Acima de 5.000.001,00 | 14.989,64 |
Um imóvel residencial | Área construída até 60 m² ou terreno com área de até 400 m² | 986,97 |
“ | Área construída entre 60 m² e 200 m² ou terreno com área entre 400 m² a 2.000 m² | 1.973,94 |
“ | Área construída superior a 200 m² ou terreno com área superior a 2.000 m² | 4.441,36 |
Mais de um imóvel residencial ou havendo imóvel comercial | — | 4.441,36 por cada imóvel adicional, até 14.989,64 |
Móveis e imóveis | — | Soma dos anteriores |
Percebemos que quando a herança é composta por imóveis, o valor das custas não aumenta conforme o valor do imóvel, mas sim conforme a metragem da construção ou do terreno. Além disso, a partir de 200 m² de área construída ou de 2.000 m² de área total do terreno o valor não aumenta. Esta pode ser uma grande vantagem quando comparado com o inventário extrajudicial.
Inventário extrajudicial
O inventário extrajudicial é realizado diretamente em qualquer Cartório de Notas, sem a participação de um juiz.
No inventário extrajudicial os herdeiros deverão estar de acordo sobre todos os pontos do inventário. Além da relação de bens, da relação dos herdeiros e de como será a partilha, é necessária a concordância também quanto:
- ao reconhecimento da união estável da companheira que vivia com o falecido;
- às doações recebidas em vida pelos herdeiros;
- às dívidas deixadas pelo falecido;
- às obrigações deixadas pelo falecido.
A grande vantagem do inventário extrajudicial é sua rapidez. Ele é muito mais rápido do que o inventário judicial, pois não é necessária a intimação dos herdeiros e Fazendas Públicas e nem a avaliação dos bens.
Impostos no inventário extrajudicial
Imposto de transmissão da herança (ITCMD ou ITD)
No inventário extrajudicial, o imposto de transmissão sempre deve ser pago antes da lavratura da escritura pública de inventário e partilha. Os herdeiros deverão apresentar os comprovantes de pagamento ao tabelião, que descreverá na escritura as guias e os valores pagos.
Por sinal, o tabelião pode ser cobrado pela Fazenda Estadual se deixar de exigir dos herdeiros o comprovante do pagamento do imposto de transmissão, conforme o art. 134 do Código Tributário Nacional:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidàriamente com êste nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sôbre os atos praticados por êles, ou perante êles, em razão do seu ofício;
Impostos patrimoniais (IPTU, ITR e IPVA) e de renda no inventário extrajudicial
No inventário extrajudicial, para saber se é necessário quitar os impostos patrimoniais e de renda antes da lavratura da escritura pública, temos que analisar o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de cada Estado.
No Estado do Rio de Janeiro, não é necessária a quitação dos impostos patrimoniais e de renda, conforme previsto no art. 459, § 1º, do CN CGJRJ:
Art. 459
§ 1º. A lavratura da escritura de inventário pelo tabelião e o registro da partilha dos bens nos ofícios de registro competentes dispensa a apresentação de certidões fiscais, forenses ou de distribuidores judiciais.
Como dito anteriormente, essa norma não retira a obrigatoriedade de pagar os impostos patrimoniais e de renda, pois a escolha do procedimento não altera a incidência de impostos — ela permite simplesmente lavrar a escritura de inventário sem a quitação dos impostos.
Essa permissão pode ser interessante nos casos em que o próprio IPTU, ITR, IPVA ou IRPJ são questionáveis. Assim, em vez de pagar esses impostos para lavrar a escritura pública e depois ter que buscar a restituição no Poder Judiciário, os herdeiros poderão lavrar a escritura e deixar para discutir a legalidade desses tributos no Poder Judiciário depois.
Custas do inventário extrajudicial no Estado do Rio de Janeiro
A Lei Estadual 3.350/99 prevê que os emolumentos para a lavratura de escrituras de inventário serão iguais aos previstos para as escrituras de compra e venda, sendo cobrado de acordo com o valor de cada bem da herança (somando-se tudo ao final).
A tabela de valores é a seguinte para o ano de 2024:
Valor do bem (R$) | Emolumentos (R$) |
Até 16.634,35 | 262,11 |
16.634,36 a 33.268,72 | 433,12 |
33.268,73 a 49.903,08 | 604,16 |
49.903.09 a 66.537,45 | 740,94 |
66.537,46 a 88.716,59 | 1.313,30 |
88.716,60 a 110.895,75 | 1.550,43 |
110.895,76 a 221.791,51 | 2.097,64 |
221.791,52 a 443.583,03 | 2.250,82 |
Valor adicional a cada 110.895,75 após 443.583,03 | 2.250,82 + 199,35 (a cada R$ 110.895,75 |
Percebemos que no inventário extrajudicial o valor dos emolumentos aumenta conforme o valor do bem, e não há um teto. Assim, quando comparamos com o inventário judicial, percebemos que quando os bens são de valor baixo ou médio, o valor do inventário extrajudicial será mais barato. Contudo, quando o valor do bem for muito alto, o valor do inventário judicial será mais barato.
Conclusão
Para facilitar a compreensão, fiz uma tabela que resume qual é a diferença entre o inventário judicial e o extrajudicial, com a indicação de pontos positivos e negativos de cada procedimento:
Judicial | Extrajudicial | |
Tempo médio | Anos (via de regra) | Semanas ou meses |
Herdeiros em acordo | Sim | Sim |
Herdeiros sem acordo | Sim | Não |
Herdeiro incapaz | Sim | Não |
Havendo testamento | Sim | Sim (é necessário o registro prévio do testamento perante o juiz competente) |
Custo | Para móveis: custas variarão conforme o valor do bem; Para imóveis: custas variarão conforme o tamanho do bem | Para móveis e imóveis: emolumentos variarão conforme o valor do bem |
Pagamento do Imposto de Transmissão | No rito do inventário: antes da sentença; No rito do arrolamento sumário: depois da sentença; No rito do arrolamento comum: depois da sentença; *(no Estado do Rio de Janeiro) | Antes da lavratura da escritura pública. |
Exigência da quitação dos Impostos Patrimoniais e de Renda | Sim | Não * (no Estado do Rio de Janeiro) |
O inventário é um dos processos mais complexos que existem no Direito, pois conjuga conhecimentos de Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário e Direito Notarial e Registral. Saber qual é a diferença entre o inventário judicial e o extrajudicial e definir o melhor caminho para cada cliente é apenas uma das tarefas do advogado especialista em inventários.
Fernandes Pinto Advocacia é um escritório especializado em Inventários. Estamos à disposição para servi-lo.